Em epidemia de saúde mental, Brasil perde 21% das vagas de residência em Psiquiatria

No país que lidera o ranking de ansiedade, apenas13.888 médicos têm o título de especialista

A resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que determina a desativação de hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico para pessoas com transtornos mentais que cometeram crimes, reforça a urgência de ampliar a rede de atendimento à saúde mental no Brasil. O país, considerado pela ONU o mais ansioso do mundo, teve um aumento de 25% na demanda por atendimento de saúde mental desde a pandemia, mas ano a ano vê o número de vagas para a residência médica em Psiquiatria cair.

Resultado: o número de especialistas está muito aquém do necessário para atender à demanda até mesmo dos planos de saúde. Pelo SUS, a espera por uma consulta pode ultrapassar 1 ano. Segundo dados da Demografia Médica, o Brasil tinha, em 2022, 13.888 psiquiatras em atuação. O número considera apenas os profissionais que têm RQE, título de especialista restrito a quem faz a residência médica ou outros cursos de pós-graduação ligados a sociedades médicas privadas.

Vagas insuficientes


Sem uma atuação contundente do MEC na regulamentação da Pós-Graduação na área médica, o problema tende a se agravar. Em 2018 havia 681 vagas para residência médica em Psiquiatria. Em 2021, o número despencou para 533, uma queda de 21,7%. “Temos milhares de médicos que cursaram uma pós-graduação em cursos chancelados pelo MEC, inclusive em Universidades Federais, com carga horária e conteúdo programático semelhante aos da residência médica e aos das sociedades médicas, mas não podem receber o título de especialista ou anunciar sua pós-graduação. E isso não é definido pelo governo, mas por sociedades médicas privadas”, explica o presidente da Associação Brasileira de Médicos com Expertise em Pós-Graduação (Abramepo), Eduardo Costa Teixeira.

Reserva de mercado


Pela lei federal que rege o exercício legal da medicina no Brasil, todo e qualquer médico com diploma validado pelo MEC e registro no CRM local está apto a exercer a medicina em qualquer uma de suas especialidades, mas um decreto de 2015 limita o acesso ao título de especialista a quem faz as pós-graduações vinculadas a sociedades de especialidades por meio da Associação Médica Brasileira (AMB). “Não faltam psiquiatras no Brasil para atender à demanda reprimida. O que existe é uma regra ditada por entidades privadas que têm interesse em manter uma reserva de mercado”, afirma Teixeira.

Regras e controle


A Abramepo defende que o MEC regulamente as normas para a pós-graduação na área médica, definindo carga horária, avaliando conteúdo programático e currículo. “Tal como acontece com a Comissão Nacional de Residência Médica, o MEC tem que criar uma Comissão de Avaliação da Pós-Graduação Médica para ditar as regras. Somente o MEC tem autoridade para definir as regras para a formação de médicos porque ele é o órgão formador, não as entidades privadas. Isso garante uma oferta maior de profissionais em várias especialidades e pode resolver um problema crônico do SUS, que é a falta de especialistas”, completa Teixeira.

Abramepo defende reformulação, com a participação do MEC, da Lei do Ato Médico

A morte de uma mulher de 46 anos após se submeter a uma cirurgia em uma clínica estética de Divinópolis (MG), no último dia 8, revela a necessidade de elaborar uma legislação mais clara e detalhada para delimitar de forma eficaz as atribuições de cada profissional da área de saúde em relação a procedimentos médicos e estéticos que estão habilitados a fazer.

Na avaliação do professor titular da Escola de Medicina e Cirurgia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e presidente da Associação Brasileira de Médicos com Expertise em Pós-Graduação (Abramepo), Eduardo Costa Teixeira, o Ministério da Educação (MEC) deve estar à frente dessa discussão para atualizar a lei, porque é o responsável pela formação dos profissionais de um modo geral, incluindo os médicos e outras carreiras da área de saúde.

“A entidade é a responsável pela análise dos conteúdos programáticos de cada curso, em todos os níveis, e pode definir as competências profissionais para este ou aquele procedimento. A Lei do Ato Médico precisa destrinchar quais ações são exclusivas aos médicos para que a população saiba, ao certo, a quem pode recorrer quando pensar em fazer algum tipo de procedimento. Hoje uma legislação falha permite que haja incoerências como profissionais que não fazem diagnósticos prescrevendo medicamentos”, comenta.

O presidente da Abramepo explica que, apesar de a Lei do Ato Médico (12.842/2013) definir que intervenções cirúrgicas são atribuições exclusivas dos médicos, há lacunas na sua redação que permitem que outros profissionais de saúde executem cirurgias e procedimentos invasivos. “A ausência de uma legislação detalhada permite, por exemplo, que cirurgias como a rinoplastia e a blefaroplastia sejam feitas por outros profissionais que não os médicos”, comenta.

O professor reforça que é preciso, também, uma fiscalização maior para certificar que as clínicas tenham os equipamentos necessários para prestar o atendimento completo a seus pacientes. “Em toda e qualquer cirurgia podem haver intercorrências. O que os órgãos fiscalizadores precisam garantir é que as cirurgias sejam acompanhadas por um médico e que as clínicas tenham a infraestrutura adequada para prestar o socorro necessário ao paciente”, explica.

Falta de definição


O cirurgião conta que a Lei do Ato Médico falha em não especificar quais seriam os procedimentos minimamente invasivos que poderiam ser executados por outros profissionais, além dos médicos. “É indispensável detalhar o que cada categoria pode ou não fazer de acordo com a sua formação e os riscos inerentes aos procedimentos.

Do jeito que a lei foi redigida, de forma muito vaga, há margem para vários tipos de interpretações que não dão segurança jurídica aos profissionais, nem aos pacientes. E tão importante quanto ter uma lei clara, objetiva e detalhada, é ter uma fiscalização eficaz por parte da Vigilância Sanitária”, explica Teixeira.

Incoerência


Ainda na avaliação do presidente da Abramepo, falta atuação por parte do Conselho Federal de Medicina (CFM), que é o órgão fiscalizador. Segundo Teixeira, o Conselho se preocupa em perseguir médicos pós-graduados, quando todas as demais categorias profissionais reconhecem as pós-graduações como especializações e entendem que isto confere maior respaldo para que atuem em determinadas áreas, como a estética, realizando procedimentos como o que vitimou a paciente em Divinópolis, embora não esteja realmente estabelecido que estes profissionais estejam, de fato, preparados para isto.

“Enquanto isso, o CFM estimula a perseguição a médicos pós-graduados e tenta impedir que eles exerçam sua função amparada por uma lei federal e cuja habilitação é consagrada há anos. Com todo respeito às demais categorias, é difícil imaginar que tenham formação necessária para lidar com as intercorrências e complicações que podem surgir durante uma lipoaspiração”, completa Teixeira.

Proibição do CFM sobre anabolizantes aumenta risco para pacientes

Entidade acredita que proibição levará pacientes para o mercado clandestino e alerta para riscos do uso de hormônios sem acompanhamento médico

O deputado Fernando Rodolfo (PL-PE) anunciou que apresentará projeto de decreto legislativo para anular os efeitos de uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibiu médicos de prescreverem hormônios para seus pacientes em tratamentos estéticos. Na avaliação da Associação Brasileira de Médicos com Expertise em Pós-Graduação (Abramepo), não cabe ao CFM legislar sobre o ato médico. “Quem dita as regras para o exercício da medicina são as autoridades do país, como a Anvisa e o Ministério da Saúde. O CFM tem o que chamamos de ‘poder de polícia’, ou seja, ele fiscaliza a legislação criada pelos deputados e regulamentada pelos órgãos do Executivo, mas não tem poder de criar ‘leis próprias’ por meio de resoluções ilegais”, afirma o presidente da Abramepo, Eduardo Costa Teixeira.

Para ele, a resolução fere a autonomia médica e traz mais riscos que benefícios aos pacientes. “Os cuidados com a estética fazem parte da definição de saúde preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) porque envolvem bem-estar físico e mental. Não são e não devem ser tratados como mera vaidade. Esses medicamentos prescritos também são legais e aprovados pela Anvisa para uso em humanos, portanto, deve ser considerado nulo qualquer impedimento que não venha das autoridades do país e com base científica. Proibir vai fazer com que milhares de pacientes que hoje já fazem o uso acompanhado de esteroides, busquem a automedicação e o mercado clandestino, o que é muito mais perigoso para a saúde pública” alerta Eduardo, que é professor titular da Escola de Medicina e Cirurgia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).

Médicos da Abramepo também avaliam que a proibição vai incentivar a automedicação e defendem que a atuação do CFM foque na emissão de alertas e notas técnicas recomendando parâmetros de uso seguro e na fiscalização da atuação dos médicos. “Muita gente vai recorrer ao mercado clandestino e aí está o perigo. O médico é o profissional mais qualificado para fazer a prescrição dos anabolizantes, que em casos específicos podem, sim, trazer resultados positivos. Deixar isso nas mãos de outros profissionais ou até mesmo que o próprio paciente se automedique é muito mais perigoso”, explica o médico Advides Ingre, pós-graduado em Endocrinologia e Metabologia.

Ingre, que é associado da Abramepo, afirma que é possível fazer um uso seguro dessa classe de medicamentos e defende um debate amplo sobre o tema por parte da comunidade científica. “Quando um tratamento é prescrito por um médico, há todo um acompanhamento para definir a dosagem segura e uma série de rastreamentos para evitar as complicações. Quando se tira do médico a possibilidade de prescrição, aumenta-se muito o uso de forma ilícita. Os pacientes que já fazem esses tratamentos não vão parar, mas vão perder o acompanhamento seguro que só um médico pode oferecer”, explica.

Segundo o médico, é possível prescrever esses medicamentos com excelentes respostas, aumentando a qualidade de vida dos pacientes sem os efeitos colaterais. “O que pode gerar várias complicações é justamente a desinformação sobre o tema e o uso indiscriminado. Abrir mão desse arsenal terapêutico e deixar que ele seja prescrito por outros profissionais traz muito mais perigo que benefício”, completa.

Riscos
Segundo Ingre, usar anabolizantes sem acompanhamento médico podem resultar em um risco maior de desenvolver câncer de próstata, aumento do colesterol e complicações cardíacas. “Antes de prescrever o medicamento, os médicos solicitam uma série de exames para verificar se o paciente tem condição de fazer o tratamento de forma segura. Além disso, são feitos exames periódicos para se certificar de que o tratamento está transcorrendo sem efeitos adversos. Quando o paciente recorre ao mercado clandestino, é provável que o outro profissional não tenha esses cuidados e esse é o grande perigo”, completa o médico.

Assembléia ordinária – Prestação de contas

Entidades privadas limitam acesso de pacientes do SUS a especialistas

Milhares de médicos pós-graduados em instituições chanceladas pelo MEC não têm suas especializações reconhecidas e nem podem anunciar especialidades

Recentemente o portal UOL divulgou reportagem sobre a falta de médicos especialistas na região Norte do Brasil, o que tem levado prefeituras a oferecerem salários de até R$ 135 mil para tentar atrair profissionais. Mas São Paulo, que concentra um terço dos médicos especialistas do país, também enfrenta esse problema. Reportagem da TV Globo, exibida nesta quinta-feira (27), relatou que na UBS Cidade Líder a falta de especialistas vem provocando imenso transtorno a quem depende do SUS.

O presidente da Associação Brasileira de Médicos com Expertise em Pós-Graduação (Abramepo), Eduardo Costa Teixeira, explica que não faltam médicos no Brasil, mas reforça que é preciso aumentar as vagas de Residência Médica (RM), melhorar a distribuição desses profissionais pelo território e investir em programas para atraí-los para o SUS.

Dados da Demografia Médica de 2023 revelam que em 2021 havia 4.950 programas de residência credenciados no Brasil e que os 41.853 médicos que cursavam esses programas representavam cerca de 8% do total de médicos em atividade. “A demografia médica mostrou também que apenas 12,1% dos residentes entrevistados pretendem atuar majoritariamente no SUS 5 anos após a conclusão da residência. Ao mesmo tempo, temos inúmeros médicos querem fazer a residência mas esbarram na falta de vagas. Estes profissionais se especializam em instituições chanceladas pelo MEC, mas o Conselho Federal de Medicina (CFM) não reconhece suas especializações e os impede até de apresentarem-se como especialistas”, comenta.

Para ter o título de especialista, hoje, o médico precisa cursar a Residência Médica ou fazer cursos de pós-graduação em entidades vinculadas à Associação Médica Brasileira (AMB), que é uma entidade privada. A norma contraria a lei federal 3.268, que diz claramente que os médicos com diplomas e títulos registrados no MEC e com registro nos Conselhos Regionais de Medicina (CRM) estão habilitados a exercer a medicina em qualquer uma das suas especialidades. “Há claramente uma reserva de mercado, porque temos inúmeras instituições gabaritadas de ensino que oferecem excelentes cursos de pós-graduação, mas cujos certificados não são reconhecidos pelas normas estabelecidas pelo CFM. Essas normas precisam ser revistas”, argumenta.

Segundo a Abramepo, é viável democratizar o acesso ao título garantindo a qualidade de formação dos profissionais. “Não se pretende afrouxar critérios de qualidade e regras mínimas, pelo contrário. O que defendemos é que tanto o MEC quanto o Ministério da Saúde estabeleçam normas e critérios mínimos para os cursos de formação de especialistas e que implementem políticas públicas para garantir que a população que depende do SUS seja atendida de forma digna”, resume.

Distribuição desigual


Outro gargalo na formação de especialistas é a distribuição dos cursos de residência médica pelo país. Cerca de 46% das instituições que oferecem residência se concentram na região Sudeste. A Demografia Médica 2023 mostrou, ainda, que mais da metade dos residentes estão em São Paulo (33,3%), Minas Gerais (11,1%) e Rio de Janeiro (10%).

Das 27 unidades da Federação, 11 possuem menos de 1% do total de residentes do país. Com exceção de Mato Grosso, todos os demais estados se localizam nas regiões Norte e Nordeste. “Se as regras para a concessão e reconhecimento de títulos não mudarem, se não houver uma ação urgente do governo federal, teremos um caos ainda maior das regiões mais distantes dos grandes centros urbanos e, mais uma vez, quem sai perdendo é a população que depende do SUS”, completa o presidente da Abramepo.