A resolução do CFM e a crise de especialistas no Brasil
Bruno Reis Figueiredo e Eduardo Teixeira
O Brasil possui milhares de médicos com pós-graduação, mestrado e doutorado em diversas especialidades, prontos para atuar no Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, esses profissionais são invisibilizados por uma política de reserva de mercado mantida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) há décadas.
Segundo as regras do CFM, apenas quem faz residência médica, cujas vagas só contemplam 30% dos formados, ou quem faz as provas de títulos de entidades vinculadas à Associação Médica Brasileira (AMB) pode obter o Registro de Qualificação de Especialidade (RQE). Esse registro é o que dá direito aos médicos anunciarem que são especialistas. Os demais profissionais, apesar de se especializarem em cursos credenciados pelo MEC, tornando-se mestres, doutores ou até pós-doutores, são impedidos de registrar suas especializações, descredenciados de clínicas e planos de saúde e impedidos de assumir postos na rede pública.
Chegamos ao absurdo de ver muitos cursos de pós-graduação chancelados pelo MEC, inclusive de universidades federais, serem desconsiderados pelo CFM. Esses profissionais, preparados e dispostos a trabalhar no SUS, são sistematicamente impedidos de disputar concursos públicos, sob o olhar complacente de sucessivos governos desde a redemocratização.
Isso acontece apesar de a Lei Federal 3268/57 determinar que todo médico com diploma validado pelo MEC e inscrito no Conselho Regional de Medicina (CRM) pode exercer a medicina em qualquer uma de suas especialidades.
Diante desse cenário, não é à toa que decisões recentes da Justiça Federal têm reconhecido que a resolução do CFM é ilegal, pois contraria a Lei 3268/57, que estabelece as regras para o exercício legal da Medicina, e desrespeita garantias constitucionais, como o livre exercício do trabalho, previsto no artigo 5º da Constituição.
Todas as profissões no país têm suas regras de especialização determinadas pelo Ministério da Educação, exceto a Medicina. No caso da Medicina, as competências do MEC e do Ministério da Saúde são usurpadas, já que uma autarquia determina quem pode ou não ser considerado especialista. Essa política impede que o Estado solucione um antigo gargalo da Saúde Pública, a fila de espera por consultas com especialidades e por cirurgias, prejudicando a população dependente do SUS.
É urgente que o governo federal adote medidas para garantir que profissionais especialistas de fato, também o sejam de direito, e que possam assumir suas funções, desafogando a demanda por consultas especializadas. E isso pode ser feito de forma relativamente simples. Basta que o MEC regulamente os pré-requisitos mínimos para que os cursos de pós-graduação formem seus especialistas com a qualidade e o compromisso com uma Medicina de qualidade. A vida dos brasileiros não pode esperar.
Bruno é advogado especialista em Direito Médico e Eduardo é presidente da Associação Brasileira de Médicos Com Expertise em Pós-Graduação (Abramepo)
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