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01/10/2024

Governo do Sergipe deixa crianças autistas sem medicação

Uma regra do Centro de Atenção à Saúde de Sergipe (Case), órgão do governo estadual, está deixando crianças portadoras do Transtorno do Espectro Autista (TEA) sem medicação em cidades do interior de Sergipe. Isso está acontecendo porque, desde julho, o Case passou a exigir que os médicos que prescrevem medicações como a risperidona, usando para o tratamento de distúrbios mentais, como esquizofrenia, transtorno bipolar, demência do tipo Alzheimer e transtorno do espectro autista, tenham o chamado Registro de Qualificação de Especialidade (RQE).

Segundo as regras do Conselho Federal de Medicina (CFM), apenas quem faz residência médica ou quem faz as provas de títulos de entidades vinculadas à Associação Médica Brasileira (AMB) pode obter o título.

Um psiquiatra sem RQE e que atende crianças autistas em cidades do interior do Sergipe é um dos profissionais que teve a receita recusada. “Meus pacientes sempre puderam pegar remédios na farmácia do SUS e de uma hora para outra minhas prescrições passaram a ser recusadas porque não há RQE no carimbo”, conta o médico, que não quer ser identificado por medo de represálias e de ser impedido de trabalhar.

A situação tem gerado um impacto devastador para os pacientes. As crianças que dependem dos medicamentos e terapias prescritas pelo psiquiatra ficaram sem acesso ao tratamento necessário. “Estou profundamente preocupado com as crianças que atendo. Elas precisam desses medicamentos para melhorar sua qualidade de vida, e agora estão sem tratamento devido a uma ilegalidade. Isso é inaceitável”, afirmou o médico.

O profissional explicou que fez cursos de pós-graduação em Psiquiatria credenciados pelo Ministério da Educação e que tem mais de 4 anos de experiência na especialidade. Essa é a primeira vez, em mais de 4 anos, que sua atuação profissional é cerceada. “Sem os meus cuidados, esses pacientes não terão a quem recorrer, já que há raríssimos psiquiatras que atendem na região”, conta.

Notificação em face do cerceamento do ato médico


A Associação dos Médicos com Expertise de Pós-Graduação (Abramepo), que representa o médico, acionou a secretaria estadual de saúde para garantir que os pacientes possam continuar sendo atendidos. A entidade encaminhou uma notificação pedindo que a Case explique por que recusa fornecer medicamentos prescritos por médicos sem RQE e solicita que as prescrições feitas pelo notificante sejam aceitas.

O Estado de Sergipe limitou-se a responder à notificação de forma genérica, informando que segue Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) do SUS. Diante disso, a entidade encaminhou nova solicitação para que o Estado do Sergipe, em um prazo de 5 dias, esclareça os fundamentos legais para a recusa dos medicamentos prescritos pelo médico e solicita, ainda, que o Estado reconheça a validade de suas prescrições médicas e garanta o acesso dos pacientes aos medicamentos.

De acordo com o advogado da Abramepo, Bruno Reis Figueiredo, a legislação permite que médicos atuem em qualquer ramo da medicina sem necessidade de RQE. “O artigo 17 da Lei nº 3.268/57 determina que médicos com diplomas registrados no MEC e inscrição no Conselho Regional de Medicina (CRM) podem exercer a medicina em qualquer especialidade. Além disso, a prática do Case atenta contra o artigo 5 da Constituição, que garante a liberdade de exercício profissional, e vai contra várias resoluções do Conselho Federal de Medicina”, comenta.

Falta de especialistas


A análise demográfica dos profissionais médicos do Estado de Sergipe demonstra que a principal afetada por essa discriminação é a população. Segundo dados da Demografia Médica, existem em atuação 5.802 médicos no estado, uma proporção de cerca de 2,6 médicos para cada mil habitantes. Deste total, somente 3.109 médicos possuem o título de especialista. Ou seja, 2.693 profissionais estariam impossibilitados de realizar atendimentos com prescrição no SUS. “Quando analisamos o interior do estado, a situação é pior: são apenas 168 especialistas para uma população de 1.624.614 habitantes. Seguindo a lógica da nova exigência do Case, a maior parte da população que depende do SUS no estado ficaria sem medicação”, completa o presidente da Abramepo, Eduardo Teixeira.

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