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17/05/2024

Carta aberta ao presidente Lula

Não faltam especialistas, presidente. Falta liberdade para que eles possam trabalhar

Eduardo Costa Teixeira

Caro presidente,


Foi marcante ver seu pronunciamento recente, em evento na Bahia, em que o senhor ressaltou saber bem o que é ter e o que é não ter acesso a médicos especialistas no SUS. O senhor disse, com extrema propriedade, como é sofrido para o cidadão que tem acesso à primeira consulta, com um médico generalista, não ter acesso à segunda, com um especialista.

É verdade também que o povo pobre desse país, que depende exclusivamente do SUS, espera nove, dez meses, às vezes mais tempo, por uma consulta especializada, como também é certo que muitos acabam morrendo antes de receber o atendimento adequado. Concordamos, presidente, que isso precisa mudar com urgência.

Assim como o senhor se frustra com isso, nós, médicos, também nos sentimos muito frustrados quando percebemos que impedimentos burocráticos nos impedem de salvar vidas. E é sobre isso que trata essa carta aberta, presidente.

Não faltam especialistas dispostos a trabalhar no SUS. Não faltam profissionais preparados, que dedicaram anos a especializar-se na tarefa de prestar o melhor atendimento. O Brasil tem centenas de milhares de médicos com pós-graduação, mestrado e doutorado em inúmeras especialidades da Medicina, prontos para atuarem em todas as especialidades no serviço público, mas esses profissionais são invisibilizados por uma política de reserva de mercado implantada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) há décadas.

Pelas regras do CFM, só quem faz residência médica, prática restrita a um seleto grupo de cerca de 30% dos formados, ou quem faz provas de títulos através das sociedades médicas privadas, pode pleitear o Registro de Qualificação de Especialidade (RQE). Os demais, apesar de especializarem-se em cursos credenciados pelo MEC com milhares de horas de duração, são discriminados, impedidos de registrar suas especializações junto aos Conselhos Regionais, descredenciados de clínicas e planos de saúde e impedidos de assumir cargos conquistados em concursos públicos.

Esse cenário é alimentado pela histórica falta de vagas na residência médica e pela péssima distribuição dessas vagas no território brasileiro. Muitos cursos de pós-graduação chancelados pelo Ministério da Educação, inclusive de universidades públicas federais e estaduais, são desconsiderados para que esses profissionais sejam reconhecidos pelo CFM como especialistas. Esses profissionais, preparados e dispostos a ingressar nas fileiras do SUS, têm sido sistematicamente impedidos de trabalhar, sob o olhar complacente de todos os governos que passaram pelo país desde a redemocratização, em 1989.

Com suas normais ilegais, o Conselho Federal de Medicina usurpa as competências dos Ministérios da Educação e da Saúde, chama para si o direito de estabelecer quem é e quem não é especialista e privilegia cursos e sociedades privadas nas provas de títulos que concedem o RQE, em detrimento de pós-graduações, mestrados e doutorados chancelados pelo MEC, fato que jamais foi contestado por nenhum governo. Esperamos que seja agora, pelo seu, presidente. Com essa absurda reserva de mercado, o CFM impede que o Estado brasileiro solucione um gargalo antigo da Saúde. Quem paga esse alto preço não é só a população dependente do Sistema Único de Saúde, mas também a classe média, que tem cada vez menos especialistas à disposição nos planos de saúde.

Saiba, presidente, que todas as profissões do país têm suas regras de especialização determinadas pelo MEC, menos a Medicina. Contamos com sua sensibilidade para determinar que o governo assuma a responsabilidade que lhe pertence, e adote medidas para garantir que profissionais verdadeiramente especializados possam assumir essas funções, desafogando a demanda pela “segunda consulta”, conforme suas próprias palavras. Estou certo de que o senhor, que tanto conhece a realidade de quem tem e a de quem não tem direito à medicina especializada, saberá agir. A vida dos brasileiros não pode esperar.

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