CREMESP persegue médicos e prejudica população
Eduardo Costa Teixeira*
Em um momento em que a saúde pública brasileira enfrenta desafios sem precedentes, como a alarmante falta de especialistas formalmente reconhecidos pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), é lamentável observar ações que, ao invés de somar esforços para a melhoria do atendimento à população, contribuem para o agravamento das dificuldades já existentes. Recentemente, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) divulgou em suas redes sociais que promove uma discriminação aos profissionais da Medicina que não possuem o Registro de Qualificação de Especialista (RQE), afirmando que os médicos que exercem especialidades sem ter o registro cometem uma infração ética.
Além de contrariar a lei federal 3268/57, a campanha do CREMESP ignora diversos pareceres do CFM e de CRMs de estados como Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Minas Gerais, que são categóricos ao afirmar que todo e qualquer médico com diploma reconhecido pelo MEC e registrado no CRM do seu estado de atuação está apto a exercer a medicina em qualquer uma de suas especialidades.
Mais que isso, a campanha instaura um cenário de medo e hesitação entre os médicos, que, formados sob o princípio de priorizar a vida e socorrer quem necessita de ajuda, agora encontram-se acuados pela possibilidade de punição caso prestem assistência fora de sua especialidade.
O resultado? Uma ameaça direta à pronta resposta médica em situações de emergência. O médico que cumprir sua obrigação de prestar socorro correrá o risco de responder a um processo administrativo que poderá culminar com a cassação da sua licença de trabalho.
A ironia dessa situação é que, ao seguir a lógica extremada do CREMESP, teríamos um cenário absurdo nos prontos-socorros: profissionais sem RQE deveriam ser impossibilitados de atender a casos urgentes que não se enquadrem em sua área de especialização? Parece absurdo e é.
Os pronto-socorros estão cheios de profissionais sem RQE que atuam em diversas especialidades sem que os conselhos questionem ou ameacem de punição, porque assim determina a lei. Sabemos que os alvos não são os médicos que atendem no SUS, mas sim os que estão em consultórios particulares. É uma clara política de reserva de mercado que beneficia uma minoria de médicos e prejudica toda a população.
A campanha é difamatória e impõe barreiras imaginárias baseadas no RQE. Com isso o CREMESP favorece uma elite médica que teve acesso à residência médica, cujo número de vagas vem caindo ano a ano, em detrimento da grande maioria dos profissionais que buscam outras formas legítimas de especialização, reconhecidas pela verdadeiras autoridades no assunto, os ministérios da Educação e da Saúde.
Em vez de atuar para aumentar o número de vagas de residência, o CREMESP busca punir os profissionais que se especializam em cursos de pós-graduação. Isso cria uma divisão dentro da própria classe médica e separa a sociedade em duas castas: a que pode pagar por profissionais com RQE que atuam nas clínicas particulares, e a que deve se contentar com a falta de especialistas no SUS e a consequente demora por uma consulta.
Os pareceres emitidos pelo CFM e CRMs reforçam que a medicina não é refém do RQE. O parecer do CFM n° 08/96 afirma que nenhum especialista possui exclusividade na realização de qualquer ato médico, ressaltando que o título de especialista confere um conhecimento adicional, não um monopólio sobre determinadas práticas médicas.
Diante desse cenário, é imperativo que o CREMESP reavalie sua postura e busque alinhar-se não apenas com a legislação e os pareceres de entidades irmãs, mas também com os princípios éticos e humanitários que devem nortear a medicina.
A saúde pública precisa de atendimento médico qualificado e acessível e isso pode ser obtido com a união de esforços de todos os atores: governo, entidades médicas e conselhos representativos. A Associação Brasileira de Médicos com Expertise de Pós-Graduação (Abramepo) reitera seu compromisso com a defesa de uma medicina inclusiva, ética e de qualidade, e está pronta para colaborar com todas as entidades envolvidas na busca por soluções que, verdadeiramente, atendam aos interesses da população brasileira.
*Eduardo Costa Teixeira é presidente da Associação Brasileira de Médicos com Expertise de Pós-Graduação (Abramepo)
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