Proibição do PMMA: uma solução equivocada para um problema complexo
Eduardo Teixeira*
A recente recomendação do Conselho Federal de Medicina (CFM) à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para banir o uso do polimetilmetacrilato (PMMA) como substância de preenchimento levanta questões importantes sobre a eficácia de proibições unilaterais no enfrentamento de questões complexas de saúde pública. Como cirurgião plástico, com décadas de atuação e vasta experiência no estudo e tratamento de sequelas decorrentes dos implantes ilegais de silicone industrial no Hospital Universitário Gaffrée Guinle (HUGG), no Rio de Janeiro, posso afirmar categoricamente que esta questão demanda uma análise muito mais abrangente e multifacetada.
A proibição do PMMA, embora bem-intencionada, corre o risco de ser uma solução simplista para um problema complexo. Nossa responsabilidade como profissionais de saúde é buscar soluções abrangentes que abordem as raízes do problema, promovam a segurança do paciente e preservem o acesso a tratamentos seguros e eficazes.
É importante esclarecer que o PMMA, quando utilizado corretamente por médicos qualificados, é um produto seguro e eficaz. A ciência demonstra que seu índice de complicações, quando aplicado adequadamente, não justifica uma proibição total. O cerne da questão não está no produto em si, mas em sua aplicação inadequada e, muitas vezes, ilegal.
Muitas complicações atribuídas ao PMMA são, na realidade, causadas pelo uso de silicone industrial ou produtos adulterados, aplicados por indivíduos sem qualificação médica. Diariamente atendo pacientes que disseram ter feito procedimentos com PMMA quando, na verdade, foi usado silicone líquido. Muitos desses procedimentos foram feitos pelas chamadas ‘bombadeiras’, pessoas sem qualquer tipo de formação, que atuam em espaços clandestinos e sem o mínimo preparo para atender intercorrências.
A história nos ensina que proibições raramente resolvem problemas complexos. O silicone industrial, por exemplo, é proibido por lei, mas seu uso ilegal continua causando mortes e mutilações diariamente. Sem fiscalização efetiva e educação adequada, tanto para profissionais quanto para o público em geral, o banimento do PMMA provavelmente não terá o efeito desejado.
Um levantamento recente feito pelo Conselho Federal de Medicina mostrou que dos 3.532 cursos de estética cadastrados no Ministério da Educação, 98% não exigem dos participantes formação em medicina, ainda que boa parte das aulas se proponha a ensinar técnicas invasivas e de risco, como a aplicação do PMMA.
Em vez de simplesmente proibir o polimetilmetacrilato, precisamos de uma abordagem multifacetada. É preciso garantir a aplicação da Lei do Ato Médico, impedindo que profissionais sem a qualificação médica realizem procedimentos invasivos; é urgente investir em uma fiscalização rigorosa para combater efetivamente o exercício ilegal da medicina e o uso de produtos adulterados.
Além disso, é necessário informar as pessoas sobre os riscos de procedimentos estéticos realizados por profissionais não qualificados e garantir que os médicos que utilizam o PMMA tenham formação adequada. Aos pacientes, fica o alerta para que procurem apenas médicos para realizar procedimentos estéticos. Outra dica é perguntar em detalhes como o procedimento é feito, quais os riscos inerentes e os efeitos esperados. Nos casos em que haja a aplicação de alguma substância, é imprescindível exigir a nota fiscal do produto e conferir o que está sendo injetado no seu corpo.
É preocupante que o CFM pareça estar agindo com base nas opiniões de um grupo limitado de médicos, possivelmente influenciados por interesses comerciais, em vez de promover um debate científico amplo e inclusivo sobre o PMMA. O Conselho deveria liderar um diálogo aberto, considerando evidências científicas e a experiência de uma gama mais ampla de profissionais.
Banir o PMMA não resolverá o problema subjacente. Pelo contrário, pode levar a um aumento no uso de alternativas ainda mais perigosas. O que precisamos é de uma abordagem abrangente que inclua educação, regulamentação inteligente e fiscalização efetiva.
Devemos nos concentrar em garantir que os procedimentos estéticos sejam realizados apenas por médicos, usando produtos aprovados e técnicas adequadas. A segurança dos pacientes deve ser nossa prioridade máxima, e isso só pode ser alcançado através de uma estratégia holística, não de proibições simplistas.
*Cirurgião plástico, membro do Colégio Brasileiro de Cirurgia Plástica (CBCP), presidente da Associação Brasileira de Médicos com Expertise em Pós-Graduação (Abramepo) e professor titular da Escola de Medicina e Cirurgia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
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